Os filhos de Israel e o cultivo da terra




Entre os critérios apresentados para a construção de uma leitura coerente sobre os textos da Tanach (Antigo Testamento), está a relação de Israel com o solo. É comum nas narrativas dos escritores hebreus enfatizar as maneiras como a éretz (terra) é tratada.

Este aspecto é comum em diversas narrativas semíticas, incluindo os documentos judaicos considerados sagrados. Como para a narrativa do autor do texto de Gênesis 1, a éretz é o primeiro elemento a ser criado e é dele que se brota a vida, sendo o Adamah (Homem do barro vermelho) fruto da relação do Elhim com o solo.(Gn.2.7) Uma característica comum entre os capítulos 1 e 2.

Deste ponto a narrativa apresenta o homem como encarregado de imitar a Divindade em lavrar a terra mantendo uma relação permanente com ela.(Gn.2.15)

Para o Rabino Chajes a expulsão do homem do Jardim, ou seja banido da terra profícua, se deu pelo fato de Adão e Eva terem comido de uma fruta que eles não plantaram e nem cultivaram.

Inicialmente o princípio da valorização da terra seria considerado uma benção, sendo o castigo, ou a perda da benção e desagrado da Divindade o nomadismo. Como pode ser visto na narrativa de Caim que fere a terra com o sangue de seu irmão e por isso se torna um nômade.(Gen.4.10-14).

É possível perceber povos semi-sedentários, que nunca se apegavam a terra, errantes pelo deserto, infelizes na ótica hebraica, e que chamavam o deserto demorada dos demônios,refúgios dos fora-da-lei,esconderijo de salteadores. A busca correta seria encontrar um lugar que pudessem se estabelecer e montar suas tendas, impor uma estrutura social e garantir a segurança do grupo. Na liturgia judaica formou-se com o tempo a ideia de um Azazel, um demônio residente no deserto e que era o destino do bode expiatório. Ele carregava os pecados de Israel para o deserto no Yom Kipur (dia do perdão) sendo devolvidos à sua fonte de impurezas.(Lv.16)

A Conquista de Canaã o apoderar da éretz (terra) prometida aos hebreus por sua Divindade, ou seja, a reintegração com o solo, assim como seu Patriarca Abraão o fez. O distanciamento do deserto era afastar-se dos demônios, da vida sem relação com o solo. A concepção de estar de acordo com o desejo do Elhim é então amadurecida pela necessidade de encontrar a terra fértil, fixar raízes, levantar tendas e viver em família. (Gen 12.1)

Conquistar a terra era cumprir a vontade da Divindade, que para o povo hebreu, foi o responsável por libertá-los da terra estranha chamada de Mitzraim (Egito), vocábulo hebraico que tem o mesmo sentido de limites territoriais, como se fosse uma parede que os impede de ter uma terra própria.
No Antigo oriente as origens são traçadas pelo nomadismo. O verdadeiro beduíno, homem do deserto, é um criador de camelos acostumado as regiões propriamente desérticas, não se mantinha em uma região específica, pela busca incessante de alimento, por pasto e por água eles criavam animais que sobreviviam mais tempo.
Já o criador de ovelhas e cabras que tem um rebanho mais fraco, exige alimentos mais selecionados e frequentemente a água forçou a permanência próxima a regiões sedentárias já estabelecidas. Quando uniu-se o gado miúdo ao bovino, os até então nômades, se estabeleceram, construíram casas e cultivaram a terra; logo a ligação com o solo foi concluída.
No processo do deserto em que Israel peregrina é um momento de transição do nomadismo para o sedentarismo, que ao se estabelecer nas terras de Canaã eles fixam moradas permanentes e abandonam as sukot (casas temporárias).
Este mesmo princípio de análise da perspectiva do redator sobre a relação de seus personagens com o solo são presentes na narrativa de II Crônicas, onde Davi deseja estabelecer uma casa permanente para Dus, ligada a Terra de Israel, pois Ele ainda habita em uma casa temporária (O tabernáculo) mas não pode fazê-lo pois derramou muito sangue sobre a terra (II.Cr.28.1-5)
Esta mesma influência sobre a literatura judaica é encontrada nos Salmos, como na poesia do 137, versículos 5 e 6. O poeta é intimamente apegado a Jerusalém quando está em terra estranha. Ou o Salmo 135 em que a éretz Israel é uma herança do Eterno ao seu povo.

Ainda nos profetas pós babilônicos encontramos um tipo de literatura que procura recuperar este antigo conceito na mente dos judeus filho da babilônia. Podemos apresentar como exemplo desta mesma influência o texto do profeta Ageu, em que o redator no capítulo 1 apresenta Ha Shem como uma Divindade insatisfeita com o povo, tendo eles edificado suas casas sobre o solo, mas não levantaram uma casa para que Ele habitasse na éretz Israel. O profeta reproduz a mentalidade de um Dus ligado com o solo, uma Divindade territorial.

Por

Pr. Renato Cesar

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